terça-feira, 27 de novembro de 2007

Invasores de Corpos

Fuja! É impossível fugir, mas fuja!

Atendo a um pedido peixístico de dois posts atrás.

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Explicar poesia - ainda mais a de uma música como Bodysnatchers - é tarefa que pode resvalar num ridículo semelhante ao daquele arquetípico chato que vive explicando piadas. Vou tentar, no entanto, sabendo que o que eu fizer aqui pode soar como o Piada em Debate, da TV Pirata.

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Invasion of the Body Snatchers é um clássico do cinema de ficção científica. Rodada em 1956, a história de uma singular invasão alienígena sofreu diversas outras adaptações e remakes. Uma delas, mais ou menos recente, era habitué do desesperador Domingo Maior da Globo - a história não será estranha para muitos, portanto. O argumento central do filme é a sorrateira invasão de alienígenas que tornam-se duplicatas de seres humanos. A versão de que me lembro mais vivamente retrata as duplicatas como seres de comportamento anestesiado, cujos impulsos se voltavam única e exclusivamente para a manutenção e expansão de seu próprio sistema. As duplicatas, "pálidas imitações com as extremidades decepadas", agiam de modo a apagar a individualidade em busca de uma maneira normal de agir, pensar e sentir: A pale imitation / With the edges / Sawn off.

À exceção do possível teor de alerta ao comunismo da primeira versão, Thom Yorke segue a metáfora dos filmes. Bodysnatchers é um estridente despertador que teima em tocar nos ouvidos de uma sociedade cujos indivíduos trabalham em conjunto para a manutenção de seu próprio estado vegetativo: Check for pulse / Blink your eyes / One for yes / Two for no. No entanto - e eis o que distingue as letras do Radiohead - Yorke mostra-se também imerso no coma, ele mesmo tentando escapar sem saber como - e falhando: I have no idea what I am talking about / I am trapped in this body and can't get out.

Has the light gone out for you? / Because the light's gone out for me / It is the 21st century / It is the 21st century, lamenta Thom Yorke. "Vocês não são máquinas, são homens!", insta Chaplin no emotivo discurso final de O Grande Ditador. A escuridão que ameaçava o mundo de Chaplin era o nazi-fascismo, que prometia enterrar os mais acalentados ideais iluministas. Qual é a escuridão do século 21? Em Bodysnatchers, é exatamente o fato de que tornamo-nos cada vez mais máquinas, ou melhor, cada vez mais engrenagens dóceis de uma grande e poderosa máquina. Porém, sinal dos tempos, ao passo em que Chaplin ainda tinha motivos para bradar "vocês, as pessoas, têm o poder, o poder de criar máquinas, o poder de criar a felicidade, (...) de fazer dessa vida uma aventura maravilhosa", o grande esquema das coisas do século 21 é inescapável e não dá espaços para otimismo, como percebe Yorke: It can follow you like a dog / It brought me to my knees / They got a skin and they put me in / They got a skin and they put me in.

Bodysnatchers é, em última análise, um reflexo do próprio In Rainbows e mesmo das questões que envolveram seu lançamento. Em primeiro lugar, In Rainbows é o contrário de Kid A e Amnesiac. Enquanto os dois últimos simbolizaram uma fuga genial aos padrões, In Rainbows se assemelha a uma tentativa de responder aos padrões, brincando com as regras do jogo, mas respeitando boa parte delas. Algumas de suas músicas são claramente pop - não aquele pop de rádio mas, ainda assim, pop. Em segundo lugar, o lançamento pela internet com preço sugerido pelo cliente não é, como pensam alguns, um engôdo oportunista ou, como pensam outros, um gesto quase altruísta da banda. É uma forma de desrespeitar algumas das regras mais sórdidas sem jogar fora a maior e inescapável: ganhar dinheiro (muito embora tenha parecido que o Radiohead não se importe com dinheiro). O final de Bodysnatchers é o exemplo de toda essa ironia e ambivalência: And for anyone else to see / I'm a lie.

Parece dizer-nos: essa é vida que temos que viver, mas viva-se discordando dela. Reconhecer as fraquezas do grande esquema é o primeiro passo para que, se não nós, outros que virão possam implodí-lo. I've seen it coming, I´ve seen it coming...

2 comentários:

Vanessa disse...

Eis quem nos fala. O grande admirador(admirador-mór)do discurso iluminista.

Bem, conseguiu saciar minha pira.
Bons argumentos.

Ao que parece,"Thom" realmente está fazendo o seu papel, por mais impossível que pareça ser. Impossível, pois dentro do que talvez ele idealizasse, ao menos reconheceu até onde podia chegar.
E continua...sempre nos trazendo imensuráveis surpresas.

Engraçado são os idealistas. Quando se têm 20 anos respiram e suspiram mudanças, e pagam o mais alto preço caso necessário.
Thom e sua turpe, muito provelmente já estão entrando na casa dos 40.
Compromissos, família e filhos comprometem a cabeça pensante dos homens. Não que seja nocivo, pelo contrário, a dimensão do pensar somente ganha novos contornos.

Poéticamente (com uma sonoridade absurda) Radiocabeça prega idéias através de suas próprias experiências.

Para mim (inclusive já falei para não sei quem)a arte ganhou um novo referencial.
Muito possivelmente, daqui alguns anos poderemos denominar um novo movimento: período pós-radioheadliniano. Hehehehehehe....

Bela trajetória a deles...

Saulo Moraes / Patrícia Barilari disse...

É isso ae.... viver sempre discordando. Afinal trabalhar num sistema medíocre só me faz pensar no medíocre q sou..., porém, no entanto, não sou tão medíocre assim, pq reconheço...

Radiohead é uma das válvulas de escape deste mundo feito pelos outros... É a voz q eu particularmente gostaria de ter, a arte invasiva... quase instintiva..